Ele é um dos maiores nomes da música brasileira, autor de álbuns antológicos e letras que são beleza pura, dono de um gingado todo seu e de dois troféus do Grammy Awards, o mais importante prêmio da indústria fonográfica. Ela, a grande dama da dramaturgia nacional, fez história no rádio (onde estreou), no teatro, na televisão e no cinema, com direito a uma indicação ao Oscar, a primeira e única de uma atriz brasileira.
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Agora, Gilberto Gil e Fernanda Montenegro também são imortais: em novembro de 2021 eles foram eleitos na Academia Brasileira de Letras, a mais tradicional entidade literária do país, fundada em 1897 nos moldes de sua congênere francesa. É um sinal de que novos ventos estão soprando por lá também.
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“A presença dupla, minha e de Gil, mostra que a Academia, um espaço de resistência cultural com representantes que honram a diversidade da nossa criatividade em várias áreas, quer abrir suas portas”, analisa a hoje ocupante da cadeira 17. Fernanda, só para lembrar, é autora de dois livros — Prólogo, Ato e Epílogo, em que narra memórias, e uma fotobiografia com imagens da sua carreira.
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Os dois novos imortais — que serão empossados no ano que vem, após o retorno das atividades, em março — trazem uma relevante contribuição na questão da representatividade dentro da ABL. Fernanda é a nona mulher da história a ser recebida na Academia, que até meados dos anos 1970 só aceitava integrantes do sexo masculino. A mudança no regimento interno, em 1997, levou à eleição de Rachel de Queiroz e, na década seguinte, de Dinah Silveira de Queiroz e Lygia Fagundes Telles.
“Uma sociedade tão vasta, plural e complexa como a nossa tem nas manifestações artísticas um elemento fundamental para o seu desenvolvimento.”
Gil
Gil também é um dos poucos negros a ocupar um lugar naquele olimpo. Antes dele, apenas três, de que se tem notícia, vestiram o suntuoso fardão bordado com fios de ouro dos imortais: Machado de Assis, um dos fundadores da instituição, João do Rio e Domício Proença Filho, presidente da casa entre 2016 e 2017. “Nosso ingresso na ABL tem muito mais a ver com aspectos culturais das nossas personalidades, mas o fato de sermos eu, um negro, e ela, uma mulher, acaba tendo, sim, um grande peso no momento em que essas discussões se tornaram tão importantes”, observa Gil.
“Precisamos vencer este momento trágico. Temos um vírus e um governo que não funciona, mas pelo menos para o vírus há vacina.”
Fernanda
O cantor e compositor de 79 anos, que havia tempos vinha sendo cortejado para concorrer a uma cadeira, acredita que sua entrada no panteão da literatura tem a ver com sua atual fase de vida: “Estou mais velho, acumulei significados na minha carreira, no trabalho que faço. Acho que me senti mais digno de pertencer a uma instituição como a ABL”. Fernanda, por sua vez, se diz surpresa ao estar começando uma nova atividade aos 92 anos. “É um instinto de sobrevivência, não sei”, arrisca a primeira atriz da instituição.
Os caminhos dos dois, aliás, já haviam se cruzado antes. Carioca criada em Campinho, na Zona Norte, Fernanda lembra que, no período da ditadura, nunca perdia os shows de Gil. “Eram um ato de fé, de contestação, de crença cultural no país, de resistência a um sistema extremamente opressor e trágico”, lembra. São muitos os elos entre Gil e Fernanda. “Gostamos da vida, daquilo que fazemos. Fernanda com o teatro, o cinema e a televisão, eu com a música e a militância cultural”, diz o cantor, radicado no Rio desde os anos 1970.
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Outra característica em comum é a crença na cultura como um ato de educação e resistência. “Uma sociedade tão vasta, plural e complexa como a nossa tem nas manifestações artísticas um elemento fundamental, para a sua dinâmica, para o seu desenvolvimento”, avalia Gil, que, além de ingressar na ABL, retomou os shows em setembro, em uma turnê que passou por oito países da Europa.
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Sua nova colega de Academia, por sua vez, tem dois filmes para gravar e anseia pelo retorno ao teatro. “Estou esperando voltar para o palco, seja de que maneira for”, afirma. “Precisamos vencer este momento trágico que estamos vivendo como país. Temos um vírus e um governo que não funciona, mas pelo menos para o vírus há vacina”, diz a grande diva. Fernanda e Gil são imortais em muitos sentidos.
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