O garimpo atrás de sobreviventes na lama de Petrópolis compõe desses horrores periodicamente esculpidos pelo descaso. A cena revela um duplo desamparo: na prevenção e no socorro.
A busca de dignidade e horizontes precede a de corpos. “Agora vêm a água, a tinta, e tudo é normalizado em alguns meses, até a próxima chuvarada”, ironiza um morador escaldado por décadas de promessas e providências cosméticas.
A tormenta histórica não dilui a caligrafia humana da tragédia. O maior desastre “natural” da cidade reflete a velha mixagem entre inépcia gerencial e complacência fiscalizadora. Quando pinta a fatura, não adianta culpar o imponderável.
Seria igualmente equivocado responsabilizar carências de conhecimento, tecnologia, dinheiro. Especialistas e legisladores sugerem, anos a fio, maneiras de reduzir o risco de danos assim. Empacam na leniência indicada pelo subaproveitamento da verba para contenção de acidentes climáticos.
Os prejuízos econômicos da devastação petropolitana somam R$ 665 milhões, estima a Federação das Indústrias do Rio (Firjan). Obviamente não se comparam às perdas de vidas e afetos, lares e futuros. Até porque grande parte delas seria evitável.
O flagelo serrano nasce da mesma tempestade perfeita sem a qual o Brasil teria impedido, segundo pesquisadores como Juliana Werneck e Pedro Hallal, mais de 100 mil mortes no primeiro ano da pandemia. Tempestade semeada por indiferença, incompetência, desigualdade.
Há muito essa mistura banaliza o abandono, esgarça compromissos constitucionais e humanitários. Despreza o evitável. Desemboca, por exemplo, nos 35 milhões ainda sem água tratada.
A crise de amparo não exclui a saúde. Pelo contrário. Os dentes afiados da desassistência devoram o corpo, a mente, o espírito. Trituram a imunidade, o humor, a esperança.
Impossível não reconhecer a urgência de uma política de amparo transpartidária, visceralmente aliada ao evitável. Centrada na garantia dos direitos primários, do bem-estar, e na prevenção de mortes.
Melhorar a saúde dos pobres seria o carro-chefe. Implicaria a ampliação do acesso não só a tratamentos médicos, mas principalmente ao piso da vida saudável: saneamento, alimentação, atividade física.
Quase 120 milhões de pessoas se alimentam mal no país, alerta o IBGE. Agonizam entre o fantasma da fome e o excesso de comidas processadas e gordurosas.
De uma forma ou de outra, amargam insuficiências nutricionais. Ficam propensos ao cansaço, ao desânimo, às doenças.
Tais ameaças são potencializadas por fragilidades comuns à maioria da população: sedentarismo, sono deficiente e estresse prolongado. Intensificaram-se ao longo da hecatombe sanitária.
Cerca de 60% dos brasileiros deixaram de se exercitar nos últimos dois anos, aponta pesquisa da Fiocruz. Quatro em cada dez adultos são sedentários. Estão suscetíveis a obesidade, diabetes, câncer, infarto, AVC, câncer. Recrutam gastos maiores com atendimentos e internações hospitalares. Vivem pior. Vivem menos.
O esporte ou a atividade física regular evitaria pelo cinco milhões de mortes anuais, atesta a Organização Mundial da Saúde. O hábito economizaria 54 bilhões de dólares em atendimentos hospitalares.
Trinta minutos diários de exercícios moderados, cinco vezes por semana, salvariam 275 mil americanos por ano. O cálculo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos aplica-se à nossa realidade.
Atividade física precisa ganhar a importância sociocultural das refeições. Estímulos e condições para incorporá-la ao dia a dia deveriam integrar uma política pública guiada pela premência de nutrir e hidratar os invisíveis miseravelmente desprovidos de água potável, comida, dignidade.
Sem essas prioridades, fica difícil salvar dos escombros a saúde de milhões de brasileiros. A tempestade começou faz tempo.
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Festa castigada
Imagine um astro pop punido por abraçar a plateia na performance apoteótica. Ou uma atriz advertida ao acolher flores da fã durante os aplausos. O absurdo frequenta o futebol.
Dele não conseguiu esquivar-se Gabriel domingo passado, no duelo contra o Galo. O artilheiro rubro-negro recebeu amarelo depois de ter exibido o cartaz premonitório do torcedor, ao festejar o gol de empate.
A brincadeira caracterizava um excesso, decreta a regra. Hora de revisá-la. Como diria Seu Boneco, ir pra galera é a graça do show.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.