
Houve um momento em que parecia termos alcançado o fundo do poço. Era 1974. Maria Bethânia fez um show antológico chamado “A cena muda”. A partir desse mote, com texto de Pedro Henrique Lopes, direção-geral de Diego Morais e direção musical de Guilherme Borges, nasce o espetáculo “A cena muda”. Em vez de o Brasil ter cumprido o que está na canção “Sonho impossível” (o carro-chefe do show), a violência contra a mulher só aumentou.

O texto é um jogo dramático em que cinco histórias sobre brutais assassinatos se misturam — histórias da violência policial (desde a ditadura), balas perdidas, espancamentos, que vão evoluindo até formar um painel, ainda que multifacetado, do que é a condição de fragilidade da mulher.

As metáforas e metonímias fazem com que cada episódio funcione para mostrar que a mulher, preta, independentemente da classe social, é presa fácil. As vidas são de Luana Barbosa dos Reis Santos, Cláudia Silva Ferreira, Ágatha Félix, Kathlen Romeu e Ieda Delgado. A história de Ieda é o fio condutor de todas as outras. A procura verdadeira se funde com a imaginação de sua mãe, Eunice, vivida por Sirléa Aleixo (esplendorosa e múltipla atriz vinda do Jacarezinho, um furacão na cena teatral, em atuação única), para saber o que aconteceu com Ieda, a jovem que desaparece sem quaisquer notícias, depois que é presa pela Ditadura, em 1965.

As outras quatro histórias falam de hoje. Luana, mulher negra, periférica, lésbica, foi morta após ser abordada e espancada pelos policiais. Uma bala atingiu as costas da menina Ágatha Vitória Sales Félix (à época, com 8 anos), dentro de uma Kombi. Kathlen Romeu, 24 anos, designer de interiores, estava grávida de três meses quando foi atingida por um tiro de fuzil no peito, disparado por um PM. Cláudia Silva Ferreira morreu vítima de uma operação da Polícia Militar do Rio de Janeiro; foi baleada e, em seguida, arrastada pela viatura policial por cerca de 350 metros.
A direção de Diego equaliza tudo o que se vê em cena. Há os níveis do palco, onde as três atrizes se movem, cantam em trio, separam-se, fazem solos. Em cena, Sirléa, Hiane e Analu Pimenta revezam-se nos papéis, mas fazem do conjunto da obra um espetáculo único. O que se vê é que um episódio de 1974, 50 anos depois, prenuncia o que se vive. Pedro e Diego constroem no palco, com coragem e talento, um fato sobre o qual não se pode calar.
Serviço:
até 18 de dezembro
Teatro Domingos Oliveira/Planetário da Gávea (Av. Padre Leonel Franca, 240)
(21) 4109-2299
Terças e quartas, às 20h
Ingressos no https://linktr.ee/acenanaomuda
