Quando comecei a meditar em 2016, as pessoas achavam que eu queria fugir. Não entendiam, e eu não precisava mesmo que entendessem. Foi a minha primeira experiência reclusa em um monastério no Nepal: nada de celular, ipad, mp3, revistas, jornais e televisão. Estava decidida a atravessar o meu deserto. Ou como costumo dizer, subir a montanha. Foram 30 dias, com 8 horas e 45 minutos de fuso lá na frente. E um início de um encontro interno.
Precisamos do deserto, um sinônimo de recolhimento, de respeito por si mesmo. O lado bom de não ser compreendido é que você pode se recolher, refletir e pensar. Com isso, você joga fora muitas bobagens e ilusões. Obviamente, eu não estava em um filme como a Julia Roberts, numa aventura cheia de comidas, mantras e romances.
Na montanha, a confusão vem, o medo e a solidão. Então, nasce algo inexplicável, um encontro com aquilo que é realmente novo. É um alívio e uma alegria.
Acabo de voltar mais uma vez da montanha, em uma nova temporada de 30 dias de reclusão, com 8 horas e 45 minutos de fuso. Agora, três anos depois, a descoberta continua sendo mágica porque ela não responde às leis conhecidas – cria possibilidades e desfaz antigas certezas. É por isso que precisamos de tempo, silêncio e reclusão: para ter mais clareza.
Meditação não é sobre virar uma pessoa diferente, é sobre treinar a consciência, entender como e por que você pensa e sente da forma que costuma fazer. Mais do que isso, a meditação te ensina a ficar bem com o jeito que você é, mesmo que os outros não compreendam.
Uma das lições que aprendi nesses 60 dias monásticos foi que mudanças dramáticas raramente são duradouras.Sigo gostando de uma boa taça de vinho e suspirando por Paulinho da Viola. O que torna a vida tão possível com a meditação é que você aprende a mudar a experiência do seu estilo de vida, ou seja, você descobre um senso mais permanente de satisfação.
O estresse pode nos levar a fazer todo o tipo de esquisitice. Podemos dizer e fazer o que não gostaríamos. No geral, afeta o jeito como nos sentimos em relação a nós mesmos e a forma como interagimos com os outros. É aí que a importância de treinar a mente e de manter contato com esse senso de satisfação podem fazer uma diferença profunda. É isso que significa ter clareza mental.
Quem sobe a montanha busca o silêncio por ter cansado das falas repetidas do cotidiano. Lá, respiramos e sentimos a ausência do tempo. Tudo é o agora. O corpo tem paz e inexplicavelmente a leveza vem. Começo 2020 orientando práticas entre Rio e São Paulo, e viver isso na cidade é um esforço grande.
Observo que aquilo que mais pesa não é a realidade, mas a interpretação dela. Ando por aí descontraída e atenta. Carrego a montanha em mim.
Vanessa Aragão é pesquisadora e instrutora de meditação tibetana e sound healing, com estudos no monastério Kopan e no Kathmandu Center of Healing, no Nepal. É criadora do Lab @meditanteurbana, onde orienta práticas para mente e o corpo com o som de taças tibetanas, no Rio e em São Paulo.