Robert Frost é um dos grandes poetas americanos do século XX. Existe um ditado popular gringo, uma paráfrase de um poema dele, que diz assim: “A única saída é atravessar”. Dormindo e acordando no Brasil (e sendo a Vanessa) só consigo traduzir esse ditado como: a única maneira de chegar do outro lado do túnel é passar por dentro dele. Não é rodeando.
Eu sempre me senti muito atraída por histórias, não é à toa que depois da faculdade de jornalismo fiz uma pós-graduação em literatura. A paixão por narrativas acabou me trazendo para o mundo do yoga. Quando as pessoas vêm praticar comigo, eu escuto a narrativa dos seus corpos. E em 100% dos causos, a única saída é atravessar.
Sabemos o quanto é difícil ser um indivíduo. Vamos trabalhar todos os dias sendo nós mesmos, com nosso conjunto de vulnerabilidades, anseios e inseguranças. Como professora e ser humano, aprendi que mudança e perda andam juntas. Acho que não podemos ter mudanças sem perdas, motivo pelo qual as pessoas dizerem com frequência que querem mudar mas continuam exatamente iguais.
Ninguém quer assumir que perdeu nada – mesmo que essa perda crie um vazio para um espaço novo. “Mas do que temos tanto medo? Não é como se fôssemos espiar naqueles cantos escuros, acender a luz e encontrar um monte de baratas. Os vagalumes também adoram a escuridão. Existe beleza nesses lugares, mas é preciso olhar ali dentro para vê-la.”, da autora Lori Gottlieb, no livro “Talvez você precise conversar com alguém”.
Precisamos descobrir o impacto das nossas histórias e comportamentos em nós mesmos e nos outros. Só assim poderemos ter um bom namastê na cama. Por mais que hoje como sociedade sejamos abertos para assuntos que antes eram privados, o estigma que envolve nossas dificuldades emocionais permanece espantoso. Todo mundo tem demônios, e eles certamente surgirão.
Grandes, pequenos, antigos, novos, silenciosos, barulhentos…Eles são testemunhos do fato de que, afinal de contas, não somos um ponto fora da curva. E é com essa descoberta que podemos criar um melhor relacionamento com nossos demônios, sem precisar encontrar justificativas para ignorar a voz deles. Podemos deixar de mergulhar em distrações que entorpecem nossos sentimentos como comida, vinho, internet e usar nossa energia e boa vontade para assumir a responsabilidade pelas nossas crises em andamento, se relacionando cara a cara com os tais demônios.
É claro que A frase do Sartre “O inferno são os outros” tem muita verdade. Sabemos que o mundo está cheio de pessoas difíceis. Agora mesmo você pode lembrar rapidamente de pelos menos umas cinco delas. Mas, às vezes, com mais frequência do que percebemos, essas pessoas difíceis somos nós. É isso, o inferno também somos nós. Algumas vezes nós somos o motivo das nossas dificuldades.
Quando você pratica yoga ou meditação ou algum tipo de prática oriental, ela leva você a um território inexplorado. Mesmo que você escolha preservar o seu status quo. Porém tudo requer tempo. Precisamos de tempo para nos familiarizar com nossas esperanças e sonhos, sentimentos e padrões de comportamento profundamente. Por isso, eu gosto de ler as narrativas dos corpos de quem pratica comigo. Eu sou uma testemunha do desdobramento de onde essas histórias levam cada um – e a mim. Afinal, nossas vidas são interdependentes.
Cada um de nós, se tiver sorte, é compelido a seguir em frente por algo que domina nossa atenção – amor por uma pessoa, um esporte, um problema político, sociológico ou econômico, uma paixão pela arte – algo que nos atrai por motivos que não conseguimos controlar. Eu acredito que você não escolhe o que lhe interessa, ele escolhe você. Algo se manifesta como atraente, pelo qual vale a pena viver. Depois surge algo a mais, que nos move um pouco além na estrada. E quando estamos na experiência constatamos que a única saída é atravessar.
O namastê na cama é o outro lado do túnel.