Todas as vezes que eu preparo um chá para ouvir as pessoas nas sessões de terapia sonora e aromaterapia aqui em casa, eu penso: a água está no fogo, mais cedo ou mais tarde ela vai ferver. Aprendi com a minha experiência de escuta que esse fogo se manifesta no nosso organismo como inflamação. A ayurveda e a medicina tibetana ensinam que essa inflamação é sinal de raiva, julgamento, agressividade e picos de estresse.
A verdade é que os nossos desequilíbrios não ocorrem do dia para a noite, você sabe. O corpo vai dando sinais desse processo de algo não vai bem e não prestamos atenção. Se você fizer uma pausa agora, consegue sentir o que tem gerado desequilíbrio em você?
De acordo com as tradições orientais de medicina, existe uma relação entre nosso sistema emocional e as doenças. Por isso, a dica é observar a relação entre sentimento, pensamento e corpo.
É difícil ver a dança suave de todas as coisas, eu sei. Muitas vezes, as mudanças exigem muito mais do que o fôlego de um cortejo do Boi Tolo em época de carnaval. Nessas horas, eu sugiro que você tente meditar. Não tem uma estratégica complexa, mágica. Talvez por isso, seja ainda tão desafiador. Estamos tão acostumados a nos perder no barulho das ilusões, que nos assustamos com a simplicidade da clareza mental que está lá, no sussurro do silêncio.
Contemplar é uma habilidade que pode ser fortalecida. Meditar não é somente para sentir-se bem. Na verdade, a meditação nos acolhe como somos, com nossa confusão e sanidade. Somente quando começamos a relaxar com quem somos é que alguma transformação acontece.
Eu acredito que o tempo nunca falha em mostrar suas habilidades. E assim, de silêncio em silêncio, aprendemos a perceber como os sentimentos e pensamentos têm um impacto no corpo e na saúde. Por mais que tenhamos uma pele coberta por memórias e afetos, ela também é feita de nós, dores e desconfortos. E tudo bem.
Boa parte das narrativas que circulam na minha sala de atendimento são narrativas sobre o amor mal-amado. E convenhamos, nada envelhece tão depressa quanto um amor mal-amado. “A raiva que permeia as relações afeta o nosso fígado. O fígado afeta os nossos olhos”, explica o Dr. Lhundup Dorjee, médico e pesquisador tibetano em um workshop sobre medicina que participamos no Centro Shiwa Lha, no Rio de Janeiro.
Terapeutas fazem terapia e no meu rolê de autocuidado precisei de 3 meses para tratar uma alergia nos olhos. É surpreendente que ainda hoje exista um forte estigma envolvendo as nossas dificuldade emocionais. Precisamos criar mais espaços seguros e acolhedores de escuta, de troca, então nada mais justo do que eu compartilhar que também sinto raiva, que meu organismo dá pane, que eu observo e cuido…
Depois de 2 anos de pandemia e às vésperas de uma eleição presidencial, estamos mais inflamados do que nunca. Os desequilíbrios de fogo estão em alta nos nossos corpos. No mínimo, sugiro que você pegue leve com as pimentas e tudo que for muito quente. Devemos esfriar um pouco os nossos mundos, os de fora e os de dentro.
Sabemos o quanto é difícil ser um indivíduo. Eu sei que você vai ler isso e pensar, tá bom, mas e aí? E aí, na prática, você pode começar julgando menos e meditando mais. Você pode fortalecer a sua capacidade de observação para ter mais clareza mental e entender que os sentimentos que nos incendeiam são apenas sentimentos. Eles passam e não nos definem em essência. Eu posso estar raivosa, sem ser raivosa e você pode estar deprimido sem ser depressivo. A raiva, inclusive, pode ser uma energia impulsionadora de mudanças sociais, como lembra a Sua Santidade, o Dalai Lama, no livro Sinta Raiva.
A dança pode sim ser mais suave dependendo da maneira como você a conduz.