Por Marcelo Copello
As frutas sempre foram parte importante da dieta mediterrânea, consumidas in natura, como doces, conservas ou em forma de bebidas. Um grande exemplo é a uva, que desde os primórdios é transformada em vinho, e mais recentemente também em destilados como o cognac, o armagnac, a grappa ou a bagaceira.
Na Antigüidade, o vinho raramente era bebido puro, por ser considerado forte e pesado, sendo quase sempre diluído e misturado. O ato de adicionar água ao vinho era chamado de sangria. A referência a “sangre” (sangue em espanhol), implícita em seu nome, não é gratuita, deve-se à cor do vinho tinto e ao fato de a bebida ser “aliviada”, enfraquecida, pela água, da mesma forma que o tratamento de saúde homônimo supostamente alivia a pressão sangüínea do paciente. O tradicional ponche nasceu nas casas humildes espanholas antes de chegar aos grandes salões e transformar-se em um dos drinques mais populares do planeta.
Segundo o “The Oxford Companion to Wine”, sangria é simplesmente “a mistura de vinho tinto, limonada e, às vezes, destilados e frutas frescas, servidos tipicamente na Espanha”. Dependendo dos ingredientes usados, a sangria pode ser um leve refresco ou um coquetel mais potente. O “Mr. Boston Official Bartenders Guide” (63ª edição) tem como fórmula oficial: ¼ xícara de açúcar, 1 laranja e 1 lima fatiadas, 1 garrafa de vinho tinto, 1 litro de água gasosa, frutas à vontade e bastante gelo.
Na Espanha, contudo, cada família ou restaurante tem sua receita própria. No Brasil, o drinque sofre por causa de alguns equívocos básicos: embora seja benéfico preparar a mistura horas antes, para que os ingredientes se tornem homogêneos, as frutas só devem ser adicionadas pouco antes do consumo sob pena de oxidarem e escurecerem. Pelo mesmo motivo, deve-se usar sempre ao menos uma fruta cítrica (limão, laranja, abacaxi fresco), pois mantém a boa acidez da fórmula, que deve se contrapor ao açúcar adicionado e ajuda a manter o frescor e a cor das demais frutas.
Além dos cítricos, pêssego, morango, cereja, maçã, pêra, kiwi, manga, cereja e uva são igualmente bem-vindos. Banana, figo, ameixa, melão ou qualquer fruta amarga se tornam dispensáveis. Economize no açúcar para não tornar a mistura enjoativa.
O principal é manter o espírito popular e informal da bebida, improvisando a própria receita. Esta pode, por exemplo, levar especiarias, como cravo e canela, ser adoçada com mel ou licores como o Cointreau e o Amaretto, temperada com algo picante, como o Tabasco, e até decorada com hortelã fresca. Fica a critério de quem vai pilotar a poncheira.
Só não se pode esquecer do vinho, o ingrediente principal. Não se deve usar um exemplar que seja caro, pois seria um crime diluí-lo. Por outro lado, utilizar uma bebida intragável seria o mesmo que destruir a receita. Se for assim, não vale a pena nem começar. Recomendo vinhos jovens e de boa acidez, como boa parte dos vinhos brasileiros, os italianos “vino da tavola”, Valpolicella, Bardolino, Lambrusco, Dolceto, Barbera, Chiantis comuns, os franceses “vin de table” ou “vin de pays”, Beaujolais e quaisquer outros exemplares da uva Gamay, Pinot Noir, Vinho Verde, e, tradicionalmente, os vinhos espanhóis “de mesa”.
Evite os vinhos tânicos ou com paladar marcante de carvalho, pois estes tendem ao amargor. Não se limite aos tintos, brancos e espumantes para conseguir bons resultados. Clericó, é como são chamadas as sangrias de vinho branco. Descarte os Chardonnays barricados e dê preferência a vinhos mais ácidos, como os Sauvignon Blanc, Riesling, Trebbiano, Pinot Grigio, Frascatti. Os espumantes levam vantagem por sua grande acidez. Uma mistura de espumante com pêssegos, morangos ou cerejas, uma gota de mel e bastante gelo seria uma boa companhia para um canapé de frutos do mar com lulas ou camarões fritos.
Lembre-se de que a sangria é apenas um alívio para o calor e não uma bebida para se levar a sério. Uma diversão e uma maneira de usar aquele vinho medíocre que está ocupando precioso espaço em sua adega. As receitas não devem ser rígidas, mas adaptáveis ao que estiver disponível no momento e ao humor dos que bebem. Acima de tudo, a sangria/clericó é o coquetel que se adapta perfeitamente ao nosso clima quente, nossa variedade de frutas e notável capacidade de improvisação.
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