Por Marcelo Copello
Conheço enófilos que compram seus vinhos pelo teor alcoólico. Para alguns, quanto menos álcool, melhor. Enquanto isso, outros exclamam “uau!”, salivando ao verem 15% ou 16% estampado no rótulo. Tal atitude faz sentido? Qualidade tem a ver com teor alcoólico? É tão importante assim o número que vem antes do símbolo “%” expresso em uma etiqueta? Por que alguns vinhos têm bem mais álcool que outros e o que muda em seu sabor? O teor alcoólico dos vinhos vem mudando ao longo dos últimos anos? Vamos esclarecer todos estes pontos. Como se forma álcool no vinho? O álcool dos vinhos se forma durante a “fermentação”, quando o açúcar da uva se transforma em álcool. Logo, quanto mais maduras as uvas e mais intenso o teor de doçura/açúcar na sua polpa, maior será o teor alcoólico do vinho. Os principais fatores para o maior amadurecimento das uvas e consequente teor de álcool nos vinhos são o clima e as técnicas de viticultura (produção das uvas). Vinhos de regiões mais quentes são mais alcoólicos. Assim, vinhos do caloroso Vale de Barossa, na Austrália, tendem a ter mais álcool que os da fria Borgonha, na França. Algumas técnicas como poda, diminuição dos rendimentos (quantidade de quilos de uva por hectare) e retardamento da colheita também influenciam no teor alcoólico dos vinhos.
Não podemos esquecer das técnicas de enologia (transformação da uva em vinho). A chaptalização, procedimento inventado pelo cientista francês Jean-Antoine Chaptal, é o meio mais comum para aumentar o teor de álcool nos vinhos. Consiste em adicionar açúcar (normalmente de cana) ao mosto em fermentação. Outros meios mais modernos são a concentração de mosto e a osmose reversa.
Como percebemos o álcool?
Ao analisarmos um vinho, podemos perceber o álcool já no visual. Girando-o na taça, podemos ver a formação do que chamamos de “lágrimas”, “arquetes” ou “pernas”, um desenho formado pelo vinho ao escorrer pela superfícia do vidro (é o chamado “efeito Marangoni”). Quanto mais lágrimas, mais alcoólico. O álcool é também o transporte dos aromas do vinho. Ao evaporar, leva consigo as fragrâncias vínicas que nos encantam. No paladar o álcool se torna ainda mais importante e evidente. Vem dele a sensação tátil de maciez e pungência (uma leve queimação na língua) e depois de calor ao ingerirmos o vinho.
Quanto mais alcoólico mais encorpado?
Não necessariamente. O álcool em si contribui com a sensação de maciez, enquanto o que chamamos de corpo (sensação de volume na boca) é o somatório de várias substâncias (álcool, acidez, taninos, açúcar, etc.). Normalmente, se o teor alcoólico é alto, as outras substâncias vêm junto. Um tinto de 15% possivelmente terá mais corpo que um de 12%. Não é raro, contudo, encontrarmos brancos, tintos e até rosés com teores altos de álcool, 14% ou até 15%, que não passam a sensação de grande corpo.
O teor alcoólico vêm subindo ao longo dos anos
Ao provar determinado vinho para a primeira edição da revista BACO, resolvi ler em meus alfarrábios a avaliação deste mesmo vinho que fiz oito safras atrás. Verifiquei que o teor alcoólico havia subido de 12,5% para 14,5%. Vale mencionar que este vinho do sul da Itália estava excelente, seja com 12,5% ou 14,5%, mas é curioso observar o aumento de álcool. Este aumento é causado por três fatores: aquecimento global (que influi pouco), técnicas de viticultura e técnicas de enologia. Há algumas décadas, raramente os vinhos tinham mais de 13% de álcool. Hoje, com o clima mundial aquecido e técnicas que permitem colher uvas mais maduras (viticultura) e depois extrair e concentrar mais corpo e álcool (enologia), é comum vinhos com 14,5%. Este aumento está ocorrendo na maioria dos vinhos mundo afora. Exceções sempre foram os vinhos fortificados, como o Porto, pois recebem adição de aguardente vínica, e os vinhos de sobremesa tipo late harvest ou sauternes e os feitos de uvas secas como passas, caso do Amarone. Estes casos especiais são de vinhos que, devido ao seu peculiar processo de elaboração, atingem teores mais altos de álcool.
E o equilíbrio?
Após tudo que mencionamos aqui, podemos relacionar teor alcoólico à qualidade? A resposta é não. A qualidade final de um vinho sempre dependerá do que chamamos de equilíbrio, ou da interação e coerência entre todos os seus componentes. Um vinho é um conjunto de centenas de compostos, que para efeito didático podemos resumir em quatro: açúcares, álcool, taninos e ácidos. Pense numa balança em que de um lado está a maciez/doçura e do outro a aspereza/frescor. Assim, de um lado, teremos açúcar e álcool e, do outro, taninos e acidez. Logo, um vinho pode ter muito álcool e ainda assim ser equilibrado e fresco. Basta que do outro lado da balança haja suficiente tanino e acidez.
Alto Moncayo 2008, Bodegas Alto Moncayo, Campo de Borja-Espanha (Mistral, US$109.50).
100% Garnacha, com 17 meses em barricas francesas, da região recém-descoberta pelo mercado mundial, Campo de Borja em Aragón, no nordeste da Espanha. Cor muito escura. Aroma denso, compacto e muito rico, frutas negras maduras, violeta, madeira nova, couro, café, chocolate, toque vegetal de musgo e muitas especiarias. Paladar muito encorpado, com 16% de álcool, taninos doces e volumosos, acidez correta, conjunto muito coeso e bem integrado. Abriu-se muito ao logo da prova, recomendo decantar duas horas.
Sugestão: apreciar desde já até 2016
Nota: 93 pontos
Cadus Malbec 2009, Nieto Senetiner, Mendoza-Argentina (Porto a Porto, R$ 194,00).
Elaborado com 100% Malbec, com 24 meses em barrocas francesas. Rubi violáceo muito escuro. Aroma um pouco fechado, muita ameixa madura, bastante madeira nova, tostados, baunilha,muitas especiarias, toque defumado e de tabaco. Paladar volumoso e profundo, com camadas de taninos finos ainda muito presentes, 15% de álcool. Grande vinho, ainda jovem, precisa de duas horas de decanter e merece alguns anos na adega.
Sugestão: apreciar de 2014 até 2024
Nota: 93 pontos
Quinta do Cachão Touriga Nacional 2009, Caves Messias, Douro-Portugal (Porto a Porto, R$ 69,72).
Elaborado 100% com Touriga Nacional, com 14 meses em barricas francesas. Cor retinta, rubi- violáceo muito escuro. Aroma limpo e fresco, típico da casta, com notas florais de violetas e frutos negros maduros, amoras e ameixas, com notas balsâmicas de ervas. Paladar de bom corpo, taninos finos, boa acidez, 15% de álcool bem integrado ao conjunto. Delicioso, expressivo e equilibrado. Ótimo custo-benefício.
Sugestão: apreciar desde já até 2019
Nota: 92 pontos
Joaquim Madeira 2007, Casa Agrícola Santana Ramalho, Alentejo-Portugal (Adega Alentejana, R$ 223,10).
Elaborado com Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Carignan, Castelão, Crato, Grand Noir, Grenache, Moreto, Pinot Noir, Tinta Caiada, Touriga Nacional, Trincadeira, com 12 meses em barricas de carvalho português. Vermelho escuro entre rubi e granada. Aroma com madeira na frente, baunilha, tostados, coco queimado, geléias de frutas negras, cacau amargo, ervas maceradas. Paladar de muito bom corpo, macio, com taninos doces, com 15% de álcool bem integrados e boa estrutura de taninos e acidez correta. Ao colocar na boca, voltei no tempo, pois lembra os melhores vinhos tradicionais alentejanos, com um toque de rusticidade, muita madeira, complexidade e maciez envolventes. Tem personalidade e é delicioso.
Sugestão: preciar desde já até 2019
Nota: 92 pontos
Pietramora Sangiovese di Romagna Riserva 2007, Zerbina, Emilia Romagna-Itália (Vinci, US$116.90).
97% Sangiovese e 3% de Acellotta, passagem por barricas francesas 30% novas. Cor rubi-granada muito escuro. Aroma compacto, com grande concentração de fruta, em forma de geleias de frutas negras, além de especiarias doces, alcaçuz, notas minerais de grafite e terra molhada, madeira discreta. Paladar ao mesmo tempo volumoso e sedoso, concentrado, com taninos doces, acidez correta, nada menos que 15,5% de álcool.
Sugestão: apreciar desde já até 2015
Nota: 92 pontos
Illuminti Pieluni 2006, Illuminati, Abruzzo-Itália (Casa do Vinho, R$ 249).
Elaborado só em anos especiais com 100% Montepulciano, com 24 meses em tonéis de carvalho. Cor muito escura, rubi-violáceo. Aromas intensos e densos, com muita madeira bem integrada a frutas maduras, amoras, ameixas, baunilha, alcaçuz, tostados, toque vegetal de musgo e tabaco. Paladar muito encorpado, bom volume de meio de boca, 15% de álcool, taninos doces. Volumoso, macio e elegante.
Sugestão: apreciar desde já até 2021
Nota: 92 pontos
Edetària 2005, Edetària, Terra Alta-Espanha (Península, R$ 346).
Elaborado com 40% Garnacha Peluda, 35% Syrah e 25% Cabernet Sauvignon, com 18 meses em barricas de carvalho francês. Vermelho rubi-granada escuro. Aroma denso e intenso, com madeira bem presente, toque de frescor balsâmico de ervas, tostados, baunilha, cacau. Paladar encorpado e muito macio, com taninos doces e aveludados, acidez equilibrada. Uma delícia desce fácil e não parece ter 15,45% de álcool.
Sugestão: apreciar desde já até 2020
Nota: 92 pontos
Colección Vivanco Garnacha 2007, Dinastía Vivanco, Rioja-Espanha (World Wine, R$ 279,00).
Elaborado com 100% Garnacha, com 18 meses em barricas novas de carvalho francês. Vermelho-rubi escuro. Aroma de frutas vermelhas maduras (morango, cereja), madeira, tostados, especiarias, ervas frescas, notas florais. Paladar muito encorpado, com muitos taninos e álcool (15,5%), mas com uma excelente acidez para contrabalancear. Redondo e macio, com ótimo frescor. Um excelente Garnacha na terra da Tempranillo, a Rioja.
Sugestão: apreciar desde já até 2020
Nota: 92 pontos
San Pedro de Yacochuya Malbec 2007, San Pedro de Yacochuya, Salta-Argentina (Grand Cru, R$ 110).
Com 100% Malbec, de vinhedos a cerca de 2 mil metros de altitude, com 12 meses em barricas de carvalho de segundo uso. Vemelho rubi vioáceo muito escuro. Aroma intenso e complexo, com grande concentração de fruta, geleias de ameixa e amora, madeira bem colocada e bom frescor, com notas florais de violeta. Paladar muito encoroado e ao mesmo tempo aveludado, maciez garantida pelos taninos doces e pelos 16% de álcool, acidez correta, longo. Decantar por ao menos duas horas, se possível mais.
Sugestão: apreciar desde já até 2019
Nota: 92 pontos
Quinta da Sardonia QS 2007 Quinta da Sardonia, Ribera del Duero-Espanha (Grand Cru, R$ 210,00).
Elaborado com 36% Tinto Fino, 30% Cabernet Sauvignon, 20% Merlot, 5% Syrah, 5% Cabernet Franc, 3% Malbec, 1% Petit Verdot 15%, com 14 meses em barricas de carvalho francês. Cor rubi-violáceo escuro. Aroma intenso, com muita madeira, frutas negras doces, baunilha, tostados, mineral terroso, notas florais de violetas, chocolate, couro e muitas especiarias, alcaçuz, aniz. Paladar volumoso e aveludado, alcoólico com 15%, taninos doces, longo.
Sugestão: apreciar desde já até 2019
Nota: 91 pontos
Yarden Syrah 2006, Golan Heights, Colinas do Golan-Israel (Inovini, R$ 150,00)
Elaborado com 100% Syrah, 18 meses e barricas francesas, certificado com Kosher. Vermelho- rubi violáceo muito escuro. Aroma intenso e muito rico, com muitas frutas negras maduras, amoras, cassis, ameixa, pimenta, madeira, chocolate, couro. Paladar volumoso e macio, taninos doces, quente com 15% de álcool, acidez suficiente formando um conjunto compacto. Decantar. Bela surpresa.
Sugestão: apreciar desde já até 2015
Nota: 92 pontos
The Cover Drive 2005, Jim Barry, Clare Valley-Austrália (KMM, R$ 135,00).
Elaborado com Cabernet Sauvignon 90%, Shiraz 7,5% e Malbec 2,5%. Rubi-violáceo muito escuro. Aroma intenso e com muita tipicidade da Cabernet Sauvignon, com frutas negras cassis, toque de eucalipto típico dos vinhos do Claire Valley, especiarias, baunilha e pimenta. Paladar de bom corpo, taninos doces, presentes, alcoólico com 15% que aparecem na maciez e no calor que provoca, mas que não deixa o vinho pesado graças à boa acidez e frescor. Bom Cabernet com tipicidade da casta e da região.
Sugestão: apreciar desde já até 2015
Nota: 90 pontos
Felix Lavaque Blend 2007, Félix Lavaque, Salta-Argentina (World Wine, R$ 180,00).
Com 73% Malbec de vinhedos de 50 anos e 27% Tannat de vinhedos de 100 anos, a 1.700 metros de altitude, com 15 meses em barricas francesas e 15,1% de álcool. Rubi-violáceo muito escuro. Aroma fino, intenso e fresco, típico dos bons Malbecs, com violetas e frutas negras muito maduras. Paladar encorpado, com volume notável de taninos doces, boa acidez, conjunto imponente, forte.
Sugestão: apreciar desde já até 2019
Nota: 90 pontos
GR – 174 2009, Casa Gran del Siruana, Priorato, Espanha (Porto a Porto, R$ 64,40).
Elaborado com Garnacha 35%, Carinyena 30% e Cabernet Sauvignon 35%. Rubi-violáceo muito escuro. Aroma no início pouco integrado, mas depois de respirar mostrou-se expressivo, com frutas negras ultramaduras, cerejas negras, chocolate amargo, muito tostado, toque floral. Paladar quente, forte, 15% de álcool, muito encorpado, com taninos doces, boa acidez, final de boca com taninos presentes. Ainda jovem, um vinho de muita presença por um preço convidativo, boa compra.
Sugestão: apreciar de 2011 a 2019
Nota: 90 pontos
Spice Route Flagship Syrah 2007, Spice Route, Swartland, África do Sul (Ravin, R$ 160,00).
100% Syrah com 20 meses em barricas francesas. Vermelho-rubi escuro violáceo. Aroma intenso e denso, com madeira nova e frutas maduras muito bem casadas, com notas de tostados, baunilha, amoras, tabaco, toque picante de pimenta do reino. Paladar de bom corpo, bom volume de meio de boca, com taninos doces, macio, com 15% de álcool, bom conjunto e boa expressão da casta Syrah.
Sugestão: apreciar desde já até 2016
Nota: 89 pontos
Passionado 2009, Quinta Santa Maria, São Joaquim, Brasil (Quinta Santa Maria, R$ 98,00)
Sem safra declarada no rótulo, elaborado à moda dos Amarones, com frutas passificadas, secas. Cor rubi-violáceo escuro. Aroma intenso e fresco de frutas vermelhas doces, violetas, geléia de morango, passas. Paladar encorpado, com taninos doces, macios, acidez correta, longo, leve toque de amargor no final, com 15% de álcool é um dos vinhos mais alcoólicos do Brasil.
Sugestão: apreciar desde já até 2019
Nota: 88 pontos
Marcelo Copello (mcopello@simplesmentevinho.com.br)