Por Marcelo Copello
Na história dos ditos casamentos entre bebidas e alimentos, o chocolate talvez seja a “megera domada” deste enredo. Assim como a Catarina, de Shakespeare, esta iguaria espanta os pretendentes ao matrimônio. Seu amargor, doçura, sabor e teor de gordura são tamanhos que comprometem a apreciação da maioria das bebidas que se apresentam para a núpcia.
E por que, então, insistir em uma combinação tão complicada? Porque, assim como nos relacionamentos pessoais, muitas vezes a paixão se sobrepõe à harmonia. E paixão não falta aos chocólatras. Este é nada menos que o doce mais apreciado do mundo, exercendo grande fascínio sobre seus aficionados. Anualmente são consumidos 4 milhões de toneladas em todo o mundo. Per capita, a Suíça está em primeiro lugar, com 10 quilos anuais. No Brasil, comemos 1,3 quilo ao ano, número tímido para o segundo produtor mundial de cacau (300 mil toneladas), atrás apenas da Costa do Marfim.
O chocolate tem mais de 5 mil anos de história. É originário da América, onde era preparado em forma líquida pelas civilizações pré-colombianas. Foi levado para a Europa pelo navegador espanhol Cortez em 1528 e tornou-se popular como bebida. O formato em barra, como é mais conhecido hoje, surgiu em 1847, na Inglaterra.
O aspecto mais sedutor desta jóia marrom é sua textura. A manteiga de cacau derrete exatamente à temperatura do corpo humano, o que confere a esta apetitosa comida uma sensação luxuriante quando em contato com a boca. Sem mencionar os efeitos de diversos de seus componentes, como a capacidade de estimular a produção de serotonina, neurotransmissor que provoca sensação de bem-estar.
Mas como reconhecer e degustar um bom chocolate? Morda um pedaço pequeno e deixe-o desmanchar lentamente na língua. Se for de qualidade, irá dissolver-se de modo uniforme. Seu tato ao derreter deve ser cremoso, liso como o cetim e macio como o veludo. Evite os pastosos, grudentos ou granulosos. A presença de arenosidade é indicação de que demasiado açúcar foi usado. Seu paladar deve ser equilibrado em sua doçura e amargor, e o final longo, agradável e sem deixar gosto de nenhum tipo de química. Aromas comuns em bons exemplares são: nozes, caramelo, terra, fumaça, chá, manteiga, baunilha (o mais típico) e especiarias, além de algumas frutas e flores. Falo do produto puro, sem contar com os possíveis sabores adicionados à ele.
Se Petrucchio domou a megera Catarina, muitas bebidas podem fazer o mesmo com o chocolate. Quando se trata desta união, o vinho é o enlace mais explosivo. Neste caso, não estamos falando apenas de harmonia, mas também da paixão dos consumidores por um e por outro. Como muitos relacionamentos tempestuosos, mesmo quando não duradouros, saciam nossas paixões.
Dos vinhos comumente recomendados, o Porto sempre brilha por seu teor alcoólico e doçura. Um Tawny velho é para um chocolate ao leite e um Vintage jovem para os mais amargos. O Sauternes harmoniza por sua textura densa, aromas e doçura; o Champagne, pela elevada acidez que o torna um curinga, combina com quase tudo. Uma boa surpresa pode ser um Jerez do tipo Pedro Ximenez, generoso vinho espanhol que não se intimida com o desafio. E, finalmente, o Banyuls, um fortificado doce do sul da França, potente, que para muitos é a melhor opção.
Vinhos secos costumam sofrer nesta relação. O chocolate faz que os encorpados figurem magros e desapareçam. A opção mais praticada é o Cabernet Sauvignon, por ter normalmente aromas de chocolate. Dê preferência aos jovens e frutados, pois os envelhecidos e barricados perdem todas as nuanças quando submetidos ao doce de cacau.
A dupla paixão que envolve este casamento suscitou até a criação de bebidas com mistura especial na fórmula. É o caso da linha de caldas de chocolate com vinho da vinícola californiana Beaulieu Vineyeards, que oferece uma receita com Porto e outra com Cabernet Sauvignon. Mais além foi o igualmente californiano Deco Port Chocolate, um fortificado tipo Porto, envelhecido em carvalho que recebe na elaboração chocolate em estado natural.
Outras bebidas também se prestam muito bem a este conúbio. Licores de frutas, como Cointreau ou Grand Marnier; destilados, como os bourbon, cognac e armagnac; ou um simples chá preto podem ser ótimas opções. Entre as novas combinações, a de whisky Johnnie Walker Gold Label, um blended super premium, servido gelado, também enfrenta com galhardia a intensidade de um bombom, por exemplo. Por fim, a bebida que talvez proporcione o casório mais harmonioso: o café, por ser a única que consegue superar o chocolate em amargor, evidenciando, assim, outras qualidades do alimento. Além disso, a temperatura da moca fumegante aquece o palato e facilita o derretimento do doce. É de dar água na boca.
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Marcelo Copello (mcopello@bacomultimidia.com.br)