“Diego, Diego, Diego!” Os gritos da torcida na Arena Olímpica da Barra da Tijuca, passados três meses da Rio 2016, ainda ecoam nos ouvidos de Diego Hypólito. Depois de falhar em Pequim 2008 e em Londres 2012 com tombos feios e ser diagnosticado com depressão, o que lhe custou 10 quilos menos e uma internação hospitalar, o ginasta experimentou, enfim, a sensação de conquistar uma medalha olímpica. O segredo: muito treino, muita dedicação, muito foco e a adoção de uma técnica que colaborou nisso tudo, o mindfulness. Na tradução para o português seria algo como atenção plena, conceito da psicologia moderna que ensina a focar o presente — em vez de valorizar os traumas do passado ou criar expectativas para o futuro. Parece óbvio, mas, na verdade, sabemos que não é algo tão simples assim. Um conjunto de técnicas de respiração e meditação, porém, pode ajudar a alcançar esse estado mental consciente e focado no aqui e no agora, capaz de proporcionar uma série de benefícios. “Não estamos falando nem de religião, nem de espiritualidade. É comprovado cientificamente que o método auxilia na concentração, por exemplo”, esclarece Aline Wolff, psicóloga do Comitê Olímpico Brasileiro. Diego é a prova cabal disso. “Quando fico ansioso, respiro dez vezes de forma pausada e faço a contagem do ciclo de inspiração e expiração. Isso foi fundamental no dia em que conquistei a prata. Eu precisava estar centrado só ali, no ginásio”, explica o campeão, praticante da atenção plena há dois anos e meio. Assim como Diego, milhares de cariocas mergulhados no caos da vida moderna — digital e hiperconectada — buscam uma âncora contra a ansiedade, o stress e o medo, sentimentos que podem culminar com uma depressão severa.
O assunto pode parecer papo de hippies e adeptos dos cultos da Nova Era, mas está bem longe disso. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 350 milhões de pessoas ao redor do planeta, de todas as idades, sofrem com depressão em algum nível. A doença, aliás, já é a segunda maior causa de morte no mundo entre indivíduos de 15 a 29 anos. A meditação mindfulness, no entanto, se realizada durante 25 minutos por dia, alivia alguns sintomas e até mesmo previne o distúrbio. Estudos comprovam a sua eficácia, ainda, na superação de vícios, compulsões, ansiedade e até dores crônicas, além de melhorar a qualidade de vida de quem tem câncer, diabetes e hipertensão arterial — a Sociedade Brasileira de Cardiologia já preconiza a prática no tratamento da pressão alta. Com a chancela cada vez maior da psicologia e da medicina, a atenção plena tornou-se um fenômeno mundial. Somente no ano passado, movimentou 984 milhões de dólares nos Estados Unidos. Criado pelo médico americano Jon Kabat-Zinn no fim da década de 70 com base em técnicas budistas milenares, o conceito é usado até hoje, com sucesso, na clínica de redução de stress da Universidade de Massachusetts. Na Inglaterra, o professor Mark Williams, da Universidade de Oxford, desenvolveu a terapia cognitiva baseada na atenção plena, e montou o Centro de Mindfulness de Oxford. “Nossa mente é capaz de transformar uma situação ruim em algo pior ainda. A atenção plena consegue desativar essa armadilha da cabeça, além de tornar as pessoas mais agradecidas. E a gratidão, também já foi comprovado, restaura um importante equilíbrio no cérebro”, explica Williams a VEJA RIO.
O rol de praticantes famosos de mindfulness vai da apresentadora americana Oprah Winfrey aos astros do basquete LeBron James, Kobe Bryant e Michael Jordan (o psicólogo George Mumford pôs times inteiros da liga americana do esporte para meditar). Uma das maiores adeptas da técnica por aqui é a modelo e apresentadora Fernanda Lima, que medita e faz ioga há mais de quinze anos. “Tudo na vida melhora, do sexo à qualidade do sono, desde que o treino seja constante. Deu dor de cabeça? Medita que passa. Trânsito infernal? Medita que desestressa. Brigou em casa? Medita que acalma”, diz Fernanda, que tem por hábito praticar quinze minutos por dia. O método pode ser aprendido em salas de aula, audioguias e livros. Após oito semanas de curso — e um investimento de 1 200 reais —, a publicitária Christiana Gabriella, de 24 anos, ganhou alta médica de quatro medicamentos para depressão. Também voltou a fazer esportes e emagreceu mais de 10 quilos. A psicóloga Ivna Matheus, de 32 anos, conseguiu deixar de fumar. Segundo o psicólogo Vitor Friary, do Centro de Mindfulness e Redução de Estresse, em Ipanema, as intervenções em grupo são mais eficazes. “O diálogo e a troca de experiências entre os alunos são extremamente enriquecedores, e funcionam como uma terapia”, explica.
Os primeiros registros de práticas para treinar a mente remontam aos Vedas, as escrituras sagradas indianas, com cerca de 4 000 anos. Mais tarde, Buda divulgou as próprias técnicas e prometeu pôr fim ao sofrimento humano. Fechar os olhos e concentrar-se também é o mandamento básico do taoismo, criado na China de 300 a.C. Um dos principais propagadores da filosofia Tao, Chuang-Tzu pregava, já naquela época, que trabalhar ou até mesmo comer como uma máquina, sem cuidar da mente, faziam o homem adoecer. No entanto, enquanto a meditação clássica consiste em focar a respiração e não pensar em nada, a versão mindfulness envolve colocar toda a atenção no que a pessoa sente e vive naquele momento. Em vez de buscar um nível de transcendência, como no budismo, o objetivo é estar plenamente presente, sem adotar posturas específicas nem entoar mantras. As técnicas de atenção plena, baseadas na respiração, podem ser repetidas em diferentes momentos do dia, e até mesmo durante tarefas do cotidiano, como tomar banho ou escovar os dentes.
O mindfulness é capaz até mesmo de mudar a estrutura cerebral, segundo estudo conduzido em 2005 pela neurocientista americana Sara Lazar. Isso acontece porque o cérebro funciona como se fosse um músculo. Toda vez que ele divaga e a meditação traz a atenção de volta, ele se fortalece. Através de ressonância magnética, ficou comprovado que a técnica gera aumento de massa cinzenta em regiões ligadas à memória, ao aprendizado e ao controle das emoções primárias. Isso torna a prática interessante também para crianças e adolescentes. Os departamentos de psiquiatria e psicologia da Santa Casa, hospital da rede pública, tratam pacientes de 10 a 14 anos com quadro de ansiedade e depressão. “Quanto mais cedo empregarmos esse tipo de abordagem, melhor. Dessa forma, é possível evitar o tratamento com medicamentos, que tem altos índices de recaída”, explica o médico Fábio Barbirato, chefe do setor de psiquiatria infantil. A terapeuta Renata Vianna, à frente do programa na instituição, destaca que a participação dos pais é essencial para estimular e auxiliar os filhos. “Se a criança conseguir exercitar a respiração por alguns minutos enquanto come, penteia o cabelo ou acaricia o bicho de estimação, é um bom começo”, recomenda. O mindfulness vem sendo empregado ainda em colégios e universidades para ajudar a aumentar a concentração e a disciplina. É o caso da Escola Britânica do Rio, onde alunos e professores passaram por um intensivão, voltado especialmente para os candidatos ao vestibular, que aprenderam técnicas para se libertar de pensamentos negativos capazes de afetar o raciocínio.
Um estudo da Universidade de Harvard, publicado em 2010, mostra que, de todo o tempo em que permanecemos acordados, quase a metade (47%) é gasta com a mente no “mundo da Lua”. Isso significa que estamos totalmente dispersos, o que, além de prejudicar no trabalho, pode tornar o ser humano infeliz. Não à toa, no Vale do Silício, o mindfulness corporativo tem ajudado a formar líderes melhores, mais criativos e autoconfiantes — bem como funcionários mais produtivos. No Google, o Search Inside Yourself (SYI), em vigor desde 2007, deu tão certo que, em 2013, se tornou um instituto independente dedicado a ensinar as técnicas de atenção plena a outras grandes empresas como o Huffington Post. Facebook, LinkedIn, eBay e companhias mais tradicionais como o banco Goldman Sachs, a Procter & Gamble, a General Mills, a Volkswagen e a rede Starbucks também aderiram. Estressado e ansioso, o administrador de empresas Fernando Barbalho, 36 anos, ficou dez anos dormindo apenas três horas por noite até começar a exercitar as técnicas de atenção plena, no fim do ano passado. “Agora durmo que nem um bebê, e minha disposição durante o dia melhorou muito. Consigo até me dedicar ao hobby de fazer cerveja”, comemora. No fundo, é mais ou menos como cantarola Zeca Pagodinho há mais de dez anos: deixa a vida — e não a mente — te levar.